Aos 20 anos, não é todo mundo que tem uma grande história de vida para contar. Mas, com essa idade, já é possível dar início a legados históricos. É o que prova Charles Tanqueray, o mentor de um dos gins mais premiados e populares do planeta, o Tanqueray.
De origem francesa, a família Tanqueray chegou à Inglaterra nos primeiros anos do século XVIII. O avô e o pai de Charles eram homens do clero, com atuação nos arredores de Londres, mas o rapaz, nascido em 1810, optou por um caminho diferente. Ele e seu irmão, Edward, estavam decididos a se envolver com a produção de gin, bebida de sucesso crescente na Inglaterra desde meados do século XVII. Em 1830, a dupla estabeleceu a destilaria de Vine Street, na região de Bloomsbury, famosa pelas suas fontes de água na capital britânica.
Com a morte do irmão poucos anos depois, Charles assumiu o negócio familiar e revolucionou a indústria com sua receita de gin. O herdeiro dos Tanqueray foi um dos pioneiros a produzir o chamado London Dry, estilo mais seco e incisivo da bebida, feita a partir de um processo de destilação distinto do estilo mais popular até então, o Old Tom, cuja adição de açúcares mascarava as imperfeições do álcool-base usado na elaboração do gin.
Charles não deixou apenas uma marca em franca ascensão ao falecer em 1865, mas também a receita que até hoje dá o norte de excelência de Tanqueray. A fórmula exata é secreta, mas os sabores e aromas do gin, cuja graduação alcóolica aparece na casa de 47,3%, seguem fundamentados em apenas 4 ingredientes: zimbro – indispensável na produção da bebida –, coentro, raiz de angélica e alcaçuz.
Fusão, proibição e bombas
Charles Waugh, aos 20 anos, assumiu a direção da Charles Tanqueray & Co com a morte do pai. Com tino para os negócios, o empresário abriu mercados para o gin com a exportação de Tanqueray para colônias britânicas e, em 1898, levou o rótulo a outro patamar ao arquitetar a fusão da companhia com a Alexander Gordon & Co, produtora do gin Gordon’s. A união resultou na maior casa especializada em gin que o mundo conhecera até então.
A produção de Tanqueray foi transferida para Goswell Road, endereço londrino da Gordon’s. Os negócios também atravessaram o oceano, os Estados Unidos passaram a ser um mercado interessante para o gin no século XX, e o rótulo ganhou força do outro lado do Atlântico graças a um certo paradoxo: com a Lei Seca em vigor, a proibição do consumo de bebidas alcóolicas fez com que a busca pelo London Dry Gin estourasse por lá. Reza a lenda que caixotes de madeira recheados de Tanqueray boiavam na costa americana à espera de comerciantes que revendiam a bebida em bares clandestinos e speakeasys.
Um fato daquele período marca a grandeza de Tanqueray nos EUA, há anos o maior mercado consumidor do rótulo no mundo. Segundo a história, o primeiro drink consumido na Casa Branca para celebrar o fim da Lei Seca foi um T&T: Tanqueray e Tônica!
A marca sobreviveu – e muito bem, obrigado – à proibição legal nos EUA, mas o verdadeiro teste de fogo veio anos depois, na Europa. Os bombardeios promovidos pelas tropas alemãs em 1941 durante a Segunda Guerra Mundial deixaram as instalações da Tanqueray praticamente destruídas em Londres. Apenas um dos alambiques de destilação, batizado de ‘Old Tom’, sobreviveu aos ataques. A intensidade das bombas foi tamanha que a fábrica em Goswell Road foi reaberta apenas em 1957. Anos mais tarde, ‘Old Tom’ voltou a funcionar – e, como um emblema de resiliência e resistência, segue em atividade até os dias de hoje.
Gin, do Rat Pack ao bronze global
Na década de 60, o rótulo foi um hit nas mãos – ou nas taças, para ser mais preciso – de vários artistas nos Estados Unidos. O chamado ‘Rat Pack’, alcunha dada à turma que reunia gente como Frank Sinatra, Sammy Davies Jr. e Bob Hope, era constantemente flagrado bebendo Martinis feitos com o gin no Buena Vista Social Club, em São Francisco.
A publicidade gratuita surtiu efeito em grande escala. Joanne McKerchar, arquivista-sênior da Diageo, revela que, em 1964, o volume das vendas de Tanqueray dobrou nos Estados Unidos sem que a empresa desembolsasse um tostão sequer em propagandas.
O ano de 1964 também marcou a entrada de John Tanqueray nos negócios da empresa. O tataraneto de Charles tinha como missão promover o rótulo de seus antepassados – empreitada que conduziu até 1989, quando, ao aposentar, botou um ponto final no envolvimento direto da família Tanqueray na companhia que leva o seu sobrenome.
O presente do gin de olho no futuro
Muito mudou desde a fundação da Charles Tanqueray & Co até hoje. A fábrica de Londres deixou de produzir em 1989, quando foi transferida para a região inglesa de Essex e, posteriormente, para Cameron Bridge, na Escócia, de onde saem milhões das emblemáticas garrafas verdes (o design é inspirado em coqueteleiras clássicas) para o mundo – e onde estão em pleno funcionamento o ‘Old Tom’ e o ‘Tiny 10’, o pequeno alambique datado de 1930 que dá nome (e onde é parcialmente feito) o (47% ABV), lançado em 2000.
Desde 1986, a Tanqueray faz parte do portfólio do conglomerado que viria a se tornar, em 1997, a Diageo.
Mais do que nunca, o legado de Charles Tanqueray segue vivo – e muito saboroso.
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