A embaixadora da divisão Reserve Luxury conta como vencer o World Class transformou sua carreira e como a música faz parte da sua trajetória.
Apesar de hoje ser reconhecida como uma das principais mixologistas do Brasil, Vitória Kurihara trilhou um caminho pouco convencional até chegar ao topo. Nascida em Cascavel, no interior do Paraná, ela se mudou com a família para Curitiba ainda pequena.
Desde cedo, porém, o universo da gastronomia e da coquetelaria já fazia parte de sua vida: “Meu pai sempre trabalhou com A&B [indústrias de alimentos e bebidas]. Quando nasci, ele era bartender, depois virou maître, foi gerente de restaurante, então sempre achei que, de alguma forma, eu também acabaria nesse meio.”
No entanto, seus primeiros passos foram na confeitaria. Na época, ela tinha uma vizinha que era confeiteira e lhe deu espaço para aprender. “Como primeiro emprego, achei válido experimentar para me infiltrar na cozinha, foram quase cinco anos, mas não era algo que aquecia minha alma, então eu terminava o dia com a sensação de que eu não amo o que faço. Então, larguei tudo”, lembra Vitória.
O ponto de virada na carreira veio de forma inesperada, ela foi chamada para cobrir um turno em um bar durante um evento lotado pois o local estava com um bartender a menos. Ela havia apresentado o currículo de confeiteira, mas a urgência da situação falou mais alto. “O chefe olhou para mim e perguntou: ‘Você sabe espremer limão?’”, lembra, rindo. Foi o início de tudo.

Naquela noite, aprendeu a preparar drinks clássicos como caipirinha, moscow mule e gin tônica. Bastou essa experiência para se apaixonar pelo ofício: “Foi meu primeiro contato com os clientes atrás do balcão. Eu lembro de sair dali cheia de felicidade, com a certeza de querer fazer isso para o resto da minha vida”, conta a mixologista.
Muita água rolou depois desse momento: de conquistas de prêmios a tornar-se embaixadora da Diageo, ela encontrou sua forma de expressão através da arte da coquetelaria. Seu desenvolvimento profissional anda lado a lado com o público que, cada vez mais, valoriza cartas autorais e receitas refinadas.
No bate-papo a seguir, Vitória Kurihara fala sobre suas conquistas, revela qual é seu drink favorito – tanto para beber quanto para preparar – e comenta os destaques da sua trajetória profissional.
Como a coquetelaria evoluiu nos últimos anos?
Vitória Kurihara: O Brasil teve um salto na coquetelaria, houve um crescimento absurdo. Ao mesmo tempo, passamos por uma pandemia em que as pessoas estavam acostumadas a ir a bares e não puderam mais. Logo, elas começaram a comprar as coisas para fazer em casa. “Não tenho mais como viver essa experiência fora, e não quero enlouquecer em casa, o que eu posso fazer?” O mercado e o público tiveram que se adequar a isso, ao mesmo tempo que os preços aumentaram, sendo que o público mais jovem hoje tem um poder aquisitivo menor. Porque não é que eles bebem menos, é que eles bebem mais porcaria. Se a gente for pensar que hoje um coquetel bom se inicia a R$ 45,00, como o estagiário consegue beber se precisa pagar aluguel? O movimento agora é de valorização dos insumos brasileiros para fortalecer o mercado nacional.
Como é o estilo brasileiro?
Vitória Kurihara: A gente vê muito essas tendências de usar cupuaçu ou frutas amazônicas, por exemplo. No entanto, o Brasil é muito grande. Então, o ideal seria a gente olhar para os ingredientes regionais. Não que a gente não deva olhar para lá, mas até pensando na questão da sustentabilidade, no pequeno produtor. E tem uma questão forte: na Europa você não tem fruta igual à que você tem no Brasil. Você não tem o mesmo sabor, você não tem o mesmo custo que aqui. Logo, eles fazem um drink com álcool em cima de álcool, ou com opções de licor, então eles não usam tantas coisas frescas dentro dos sabores que a gente pode englobar no copo. Porém, temos pessoas grandes no mercado fazendo esse trabalho, batendo nessa tecla, o que é legal. Mas virou um hype, como o retorno das variações do Dry Martini. Ele funciona em São Paulo ou Curitiba, mas você não vai tomar esse drink no calor do Rio de Janeiro. Então é isso que eu falo da coquetelaria brasileira. O Brasil é regional, o que funciona no Sudeste não é a mesma coisa que no Norte ou Nordeste.
Qual é o tipo de drink que você mais gosta de preparar? E qual é o seu drink preferido para consumir?
Vitória Kurihara: Sou uma pessoa dos clássicos – e gosto muito de preparar os clássicos. Sempre digo que o maior desafio, na verdade, de um bartender não é criar várias camadas de sabor. Porque, colocando vários sabores num copo, às vezes, se o coquetel tem defeito, você consegue mascarar. Agora, fazer bons clássicos exige muita técnica.
O que mais fiz na vida é o Manhattan. E sempre foi um coquetel que meus clientes pedem e gostam bastante. De consumo, sou a pessoa do Dry Martini sem azeitona, porque eu não quero comer nada. Com exceção do Dry Martini Gibson, que leva cebola em conserva no lugar da azeitona – nesse caso, eu estou super dentro.
Tem algum ingrediente que é a sua assinatura ou que você adora explorar nas receitas?
Vitória Kurihara: Uso de tudo, mas tenho uma coquetelaria mais minimalista, com poucos ingredientes, porque busco extrair o máximo de sabor. E, como base, uso muito whisky e gin – são os meus destilados favoritos para trabalhar.
Como foi conquistar o World Class?
Vitória Kurihara: Eu vim para São Paulo, porque cinco anos depois de trabalhar na coquetelaria, eu tinha a meta de participar do World Class, o maior campeonato de coquetelaria do mundo da Diageo. Ganhei em primeiro lugar em 2023 e me mudei porque me ofereceram a vaga de embaixadora das marcas Reserve Luxury. Cara, esse prêmio representa tudo na minha carreira. Antes de entrar nesse campeonato, eu trabalhava em um emprego não tão legal. Então isso foi muito importante para entender a profissional que eu era.
Como o prêmio impactou a sua carreira?
Vitória Kurihara: Foi uma virada de chave. Porque a vida pode não ser muito gentil com a gente, então temos dúvidas o tempo todo. Elas são muito positivas, mas podem mexer na autoconfiança e autoestima. Ter ganhado o World Class mudou a minha vida. Eu era uma profissional low-profile, que não mexia com redes sociais – tive que abrir o meu perfil. Meu Instagram saiu de 200 seguidores para 5 mil. Hoje eu trabalho com redes sociais. Não tenho muitos seguidores – são 20 mil –, mas são pessoas interessadas em coquetelaria. Então, esses caminhos foram bem maiores do que a coquetelaria em si, porque entendi do que eu era capaz. Sempre falo que o campeonato não faz a vida de ninguém. Porém, se você souber se posicionar dentro dessa visibilidade na indústria, você consegue ir bem longe.
Como é o seu processo criativo? Você tem algum ritual ou método na hora de desenvolver uma nova receita?
Vitória Kurihara: Tenho aquele grupo chamado “Eu” no WhatsApp, sabe? Meu processo criativo pode variar. Olho para uma taça e procuro o coquetel perfeito para encaixar ali. Onde posso caminhar para alcançar a estrutura perfeita para tomar o drink naquela taça? Ou pode ser algum ingrediente que eu anotei nesse meu grupo “Eu”. Ou pode ser simplesmente coisas bobas. Eu tenho um apelido entre meus amigos, que é Cookie, porque meu sobrenome é Kurihara. E eu criei um coquetel chamado Cookietel. Vai do insumo, vai do timing, vai do nome. Vai do que eu espero no glassware. Um pouquinho de tudo. Eu não me limito ou, às vezes, como no campeonato, vai da história que você quer contar. Por exemplo, você perguntou sobre minha vida e de onde eu vim. Como eu vou contar minha história através de um coquetel? Posso lembrar da minha infância ou da minha família por meio de ingredientes, tentar encantar de outras formas.
Como é sua rotina de trabalho? O que as pessoas geralmente não veem, mas faz parte dos bastidores do seu dia a dia como mixologista?
Vitória Kurihara: Não tenho muita rotina. Em geral, eu trabalho na rua ou em home office, não trabalho em escritório. E, dentro do meu trabalho, além de ser embaixadora – quando a gente fala sobre ser embaixadora, você tem que falar sobre toda essa parte de treinamento, para que as pessoas saibam muito bem o que estão tomando –, tem essa parte de encantar em algumas experiências. Então, por exemplo, amanhã eu tenho um jantar harmonizado com Blue Label do início ao fim, que inclui coquetéis e doses. Então, tem essa parte um pouco mais teatral de encantar as pessoas. É muito abrangente, assim. Eu faço um pouco de tudo dentro do catálogo Reserve que a gente tem.
Quais dessas áreas você gosta mais?
Vitória Kurihara: Eu nem cheguei a falar sobre isso, mas também cuido do World Class, que é a parte que eu mais gosto. Porque foi algo que mudou muito a minha vida e minha perspectiva de várias coisas dentro do mercado. E, hoje, estar do outro lado fazendo a curadoria, com todo esse cuidado e alinhamento… A parte do marketing é algo que eu gosto muito, tanto que tenho pensado, nesses últimos tempos, em me inscrever em um curso EAD de marketing. Porque minha vida também virou rede social, então estou o tempo todo pensando em como vou posicionar as coisas, qual é o post da semana, como iniciar conversas.
Os listenings bars se tornaram tendência. Qual a importância da música na sua vida?
Vitória Kurihara: A música, para mim, é tudo. Eu sou aquela pessoa que você olha a playlist e você fala: você precisa de uma psicóloga. Eu tenho uma banda preferida desde 2010, a Foster the People, uma banda Indie que eu acho incrível. Mas sou doida do samba, por conta do meu pai, ouço muito rock anos 70 e gosto de pop rock. Estou muito viciada em Sabrina Carpenter. Eu sou uma pessoa que sou muito ligada à bateria, por exemplo. E acima de tudo, eu preciso de músicas com vozes.
Quem é a sua artista favorita? Se você tivesse que pensar em uma receita inspirada nela, qual seria?
Vitória Kurihara: Uma coisa que eu tenho escutado muito, mas mais pro lado do funk, é o Mochackk. Ele faz esse trabalho de vinil muito bem. É muito legal. Faria uma bela Margarita. A gente está com uma ação com a Peggy Gou no Don Julio. Então eu acho que seria um bom momento para fazer uma Margarita, que vai tequila, licor de laranja, suco de limão, na taça coupe com borda de sal.